Pensar de forma interdisciplinar pode parecer intuitivo, mas trata-se de uma operação que se não passar por uma reflexão razoável, pode somente criar uma nova disciplina. Criar ações e atividades interdisciplinares passa por uma série de questões, que buscamos relacionar adiante.

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Primeiro, a própria definição de interdisciplinaridade passa por um debate vivo entre especialistas. Se está presente quando há uma “(...) variedade de disciplinas científicas relevantes”¹ ou ainda “(...) quando se trata de domínios da ação nos quais os problemas técnicos e sociais são estreitamente interligados”², definir e implementar os eixos transversais dos currículos é uma tarefa complexa. Adicionando camadas, consideramos também os diversos tipos de interdisciplinaridade: propositiva, normativa ou de valores³.
Pode-se dizer que:
“(...) não se encontra uma definição da interdisciplinaridade que seja consensual, e menos ainda uma doutrina estabelecida que possa ser aplicada (...) Torna-se então, imprescindível definir com clareza as bases teóricas e metodológicas em torno das quais é possível construir um projeto de prática concreta da interdisciplinaridade” (2)
Um caminho possível para escolher a interdisciplinaridade é refletir sobre o porquê da interdisciplinaridade: existem situações em que ela pode não ser necessária, embora:
“As fronteiras disciplinares serviram para construir divisões institucionais (...) que se transformaram, progressivamente, em redes de interações privilegiadas, quadros de afirmação de identidade intelectual e, por fim, em territórios de poder” (2)

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Sobre essa escolha, o mesmo autor aponta que é necessário responder por que sair do paradigma atual? Quais inovações necessárias? e quais objetivos desse processo? para escolher a interdisciplinaridade. Sobre essas respostas, concordamos com a necessidade de ações inovadoras, como:
“(...) trabalhar de forma interdisciplinar [para] o entendimento da complexidade dos problemas urbanos e nas inter-relações de seus diferentes aspectos, diferentes escalas espaciais (local, nacional, global), assim como nas diferentes esferas políticas municipais, estaduais e federais, buscando dessa forma uma gestão integrada” (6)
Num exemplo, a urgência e magnitude das mudanças climáticas transformam essas propostas utópicas em ações inovadoras e complexas, como para a preservação dos oceanos. Entender a integração entre nossos impactos no oceano, assim como os impactos dos mares em nossas vidas, é um dos caminhos para avançar de forma interdisciplinar. Você pode conferir um exemplo de atividade didática aprofundando essas definições, baixando gratuitamente a nossa Cartilha “Ensinando no Mar”, que inclui vídeo-aula para quem ensina; acesse na postagem “Ensino de temáticas ambientais em áreas naturais”

Não é uma forma de se abster da ação identificar as problemáticas socioambientais como complexas. O fato é que também a Teoria da Complexidade não tem definição única (você pode explorar essas definições em Complexity: a guided tour, publicado em inglês em 2011), mas coloca em destaque o conjunto de interrelações e agentes que determinam nossos impactos no meio ambiente.
Ensinar a complexidade das coisas não é tarefa fácil, e, num olhar pela interdisciplinaridade normativa³:
“(...) há uma crescente demanda para que educadores e educadoras ambientais transcendam seus espaços de atuação e participem de processos que pensem a Educação Ambiental como política pública, e não apenas como ação ou projeto.” (4)
Buscar a emancipação pelo meio ambiente e pela educação demanda, então, uma forte solidariedade entre pessoas e instituições. Você pode conferir esse exemplo de atuação, entre agentes de setores diversos, na nossa postagem Transdisciplinaridade na gestão: da ecologia às políticas públicas, ainda que:
“O obstáculo maior à integração da vida cultural é a dificuldade em fazer com que pessoas que vivem em mundos diferentes possam influenciar-se reciprocamente de uma forma genuína. (...) a vitalidade dessa consciência coletiva dependerá, então, de que sejam criadas as condições para que essa integração possa ocorrer.” (5)
Como um exemplo de pensamento para esse tipo de integração, destacamos o ambiente de trabalho da Educação para a Saúde Planetária. Articulando os domínios relacionados às conexões com a natureza, essa abordagem incorpora a reciprocidade entre a saúde humana e saúde do meio ambiente. Você também pode conferir os materiais de apoio para docentes da Planetary Health Alliance.
Portanto, a interdisciplinaridade:
“(...) estabelece un frutífero intercambio y diálogo con los movimientos sociales y las comunidades de ciudadanos. El paradigma ecológico no es imaginable sin un movimiento social y un pensamiento ético y político crítico y alternativo” (7)
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Citações:
1 - Funtowicz e Ravetz (1997) Ciência pós normal e comunidades ampliadas de pares face aos desafios ambientais. História, Ciências, Saúde v.4(2).
2 - Raynaut (2011) Interdisciplinaridade: mundo contemporâneo, complexidade e desafios à produção e aplicação de conhecimentos, em Interdisciplinaridade em Ciência, Tecnologia e Inovação. p88.
3 - Max-Neef (2005) Foundations of transdisciplinarity. Ecological Economics v.53.
4 - Andrade e Sorrentino (2018) Aproximando Educadores Ambientais de políticas públicas, em Educação Ambiental e políticas públicas: conceitos, fundamentos e vivências. 2ªed.
5 - Geertz (2017) Como pensamos hoje: a caminho de uma etnografia do pensamento moderno em O saber local - novos ensaios em antropologia interpretativa. 14ª ed, 2ª reimpressão. p. 53, 164.
6 - Ruscheinsky e Bortolozzi (2014) Educação Ambiental e alguns aportes metodológicos da ecopedagogia para inovação de políticas públicas urbanas, em Paradigmas Metodológicos em Educação Ambiental (Pedrini e Saito, orgs).
7 - Garrido-Peña (2007) Sobre la epistemologia ecológica, em El paradigma Ecológico en las Ciencias Sociales