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Transdisciplinaridade na gestão: da ecologia às políticas públicas

Atualizado: 5 de nov. de 2020

A constituição de uma nova Racionalidade Ambiental é pautada no olhar sistêmico, ou seja, a partir da complexidade de elementos que interagem reciprocamente na determinação de um dado fenômeno. Quando tal olhar é direcionado à gestão dos conflitos socioambientais, perspectivas integrativas ganham projeção, oferecendo ferramentas pragmáticas, inclusive para uma maior eficiência econômica em seus processos.

Na área da pesquisa em gestão ambiental costeira e marinha, é emergente o conceito de Manejo Baseado em Ecossistemas (MBE, do inglês Ecosystem Based Management, EBM), no qual, entre outras características, compreende-se a diversidade de atores sociais que compartilham interesses diversos na gestão dos recursos e serviços de um dado ecossistema. Nessa perspectiva, é considerada a participação ativa de cada uma dessas partes, de forma que a tomada de decisão sobre esses espaços possa ser compartilhada.


Em diálogo com essa abordagem, são encontradas na literatura acadêmica diversas abordagens para a implementação do MBE, como o Manejo de Conhecimento Transdisciplinar (MCT, do ingês Transdisciplinary Knowledge Management, TDM). É nesse contexto que Giebels e colaboradores (2020) apontam, em publicação recente na revista Marine Policy, os resultados de uma importante revisão de literatura com estudo de caso, discutindo algumas perspectivas sobre essa abordagem, sobretudo em suas implicações para a gestão dos territórios conforme diferentes níveis de governança. Para os autores:


“O Manejo de Conhecimento Transdisciplinar (MCT) é útil para envolver ativamente atores locais, por exemplo para entender as múltiplas causas dos impactos e para causar as mudanças nos sistemas costeiros, para desenvolver e co-produzir agendas de pesquisa e pesquisar pontos críticos em direção à mudança dos sistemas ecológicos. Como uma ferramenta de planejamento espacial, ela pode conectar níveis de governança, jurisdições, e usos econômicos garantindo que aqueles que tomam decisões sobre recursos dos ecossistemas também participem.” (tradução livre, grifo nosso)

Diante das possibilidades dessa abordagem, os autores identificam a necessidade da construção dialógica e participativa entre todas as partes interessadas, sobretudo visando a paridade representativa nas instâncias de tomada de decisão através da facilitação da participação das partes que atualmente tem pouca inserção. É sob essa ótica dos processos, das relações humanas, contextualizadas num território que esses autores destacam o modelo de Serna (Serna, 2015 apud Giebels e col., 2020) sobre maturidade do processo de MCT, com cinco fases (aqui traduzidos e sintetizados):


I) Nível de predisposição: o conhecimento estritamente disciplinar ainda é mais frequente no grupo, em que ainda faltam as habilidades necessárias para a experiência de integração. Para uma maior compreensão sobre os conceitos adotados de disciplinaridade, inter e transdisciplinaridade, sugerimos a leitura do texto “Ensaios.04 – Sobre transdisciplinaridade e o ensino dos valores humanos (2018)

II) Nível de reação: o grupo começa a experimentar o fluxo de informações entre as disciplinas, através do contato inicial com as metodologias de integração de conhecimentos.

III) Nível de avaliação: o fluxo de informação amadurece, de forma a facilitar o estabelecimento de acordos sobre esforços de integração.

IV) Nível de organização: o grupo desenvolve uma arquitetura clara de fluxo dos processos, facilitando ativamente a integração dos conhecimentos.

V) Nível de otimização: o processo de integração de conhecimento é realizado na prática, caracterizado pelos ajustes contínuos nas arquiteturas, visando facilitar as adaptações necessárias para novos olhares e necessidades.


Cada uma dessas etapas possibilita o estabelecimento de objetivos específicos, em função das demandas ajustadas aos conflitos socioambientais locais, para que aconteçam trocas efetivas diante das partes interessadas, sobretudo numa visão de MBE. Uma vez que há competência comum entre os entes federativos diante da preservação e proteção ambiental (como disposto no Art. 23º da Constituição Federal de 1988), a cooperação entre todas essas instâncias deve ser uma oportunidade para implementação do MBE, inclusive com o uso do MCT.


Diante disso, destaca-se que os serviços e recursos ambientais são percebidos e oferecidos num âmbito local: por exemplo, cabe ao município definir o zoneamento urbano em que serão permitidas diferentes atividades econômicas, com seus respectivos impactos decorrentes. É nessa perspectiva em que aproximar-se de uma gestão baseada em ecossistemas é também discutir a articulação local diante desses espaços e seus recursos — e portanto, conforme a legislação para esse âmbito, é na articulação municipal em que se encontram as possibilidades para o MBE.


É importante ainda fazer a ressalva de que existem mecanismos legais para essa articulação, não somente de entes dos diferentes âmbitos federativos, mas também dentre esses âmbitos. A Lei Federal nº 11.107/2005 regulamenta o estabelecimentos dos consórcios públicos para União, Estados, Distrito Federal e Municípios, dispondo sobre as normas gerais para a realização de objetivos de interesse comum, oferecendo novas possibilidades de integração na gestão ambiental.



Marginal Pinheiros, São Paulo, SP. Imagem por Renan Araujo, disponível aqui


Sobre essa possibilidade, destaca-se a publicação de Broietti e colaboradores (2020), chamada “O impacto dos consórcios públicos no gasto ambiental dos municípios do sul do Brasil”. Com o uso de dados da Secretaria do Tesouro Nacional, de 2012 a 2016, obtidos com a Lei de Acesso à Informação, buscaram responder se os gastos públicos ambientais municipais são influenciados ou não pela adesão ao consórcio público ambiental. Empregando uma robusta análise de dados, apontam uma conclusão de que, ao considerar os consórcios públicos como uma variável independente no modelo econométrico aplicado, os consórcios podem ser determinantes para os gastos ambientais.


Dentre as demais variáveis consideradas (gasto ambiental municipal, despesa total municipal, receita total municipal, densidade demográfica e extensão territorial), também foram apontadas correlações positivas fortes entre gasto ambiental e despesa total e receita total, entre outras. Em adição, verificou-se que os dez municípios com os maiores valores médios de gastos ambientais, em relação aos demais municípios consorciados, são os mesmos em que não foram encontrados nenhum desastre ambiental grave durante o período investigado.


A partir desses resultados e das considerações anteriores, depreende-se a relevância econômica do estabelecimento dos consórcios municipais como iniciativas para a implementação do MBE com MCT. Uma vez com o envolvimento local de todas as partes interessadas no manejo dos recursos – com participação ativa e paritária nas instâncias deliberativas sobre esses espaços – as cinco fases de amadurecimento do Manejo de Conhecimento Transdisciplinar podem orientar o estabelecimento de objetivos, estratégias e metas que visem à consolidação de consórcios intermunicipais que fomentem o Manejo Baseado em Ecossistemas.

Bibliografia citada:

Broietti, C., Souza, J. A. S., Flach, L., Silva, G. C., & Ferreira, C. D. (2020). O impacto dos consórcios públicos no gasto ambiental nos municípios do sul do Brasil. Ambiente & Sociedade, 23, 0–2.


Giebels, D., Carus, J., Paul, M., Kleyer, M., Siebenhüner, B., Arns, A., Bartholomä, A., Carlow, V., Jensen, J., Tietjen, B., Wehrmann, A., & Schröder, B. (2020). Transdisciplinary knowledge management: A key but underdeveloped skill in EBM decision-making. Marine Policy, 119(August 2019). https://doi.org/10.1016/j.marpol.2020.104020

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