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Produções no território #002: entrevista com Renan Demétrio

Quem diz que "o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu"¹ nunca conversou com Renan Demétrio. Biólogo e consultor ambiental, sua formação certamente forneceu a ele uma visão científica e quase técnica sobre a vida. Isso fica evidente nas referências que faz à composição química da natureza, citando moléculas e elementos químicos ao defini-la. Mas na objetividade da composição molecular da natureza, Renan encontra beleza, descrevendo-a com um encanto digno de poeta. Segundo ele, a vida é uma dança e a natureza é a música que nos tira para dançar.


Além de biólogo e consultor, Renan também abre espaço para a arte em seu cotidiano. Em seu perfil do instagram, @renandemetrio.bio, ele publica imagens de seus encontros com paisagens, aves, insetos, mamíferos e tantas outras formas de vida. Ainda, ele nos adianta que há uma ideia de projeto, ainda inicial, sobre as aparições da fauna e da flora na cultura musical brasileira.


Confira abaixo a íntegra da entrevista que Renan forneceu ao Extensão Natural.


 

Extensão Natural: O que é natureza pra você? Por que você acha importante registrá-la?


Renan Demétrio: A natureza é a música que a vida dança.


Nós somos feitos de poeira das estrelas. Nós, o ar, as águas, as montanhas, as florestas, os desertos, os animais, os sentimentos, as memórias, as intuições. Tudo que existe na Terra é parte do todo. Interagimos e evoluímos juntos. Em manifestações únicas.


A vida, então, é uma dança que começou há bilhões de anos com uma molécula feita de poeira das estrelas que conseguiu se reproduzir e continua indefinidamente. A música é a natureza. É quem convida os seres vivos para dançar. Desde o surgimento do que chamamos de vida em sua forma mais simples até os dias de hoje, muita coisa aconteceu nesse planeta. Espécies de todas as formas e cores já passaram por aqui. Grandes extinções as levaram embora. Tudo que vive dança no ritmo da natureza. Todas a diversidade de vida é interdependente de alguma forma. A vida da forma que conhecemos existe graças às interações entre as coisas vivas. A natureza se retroalimenta. Ela existe por si só. Ela é a autonomia dos elementos químicos e toda a beleza que isso significa.


No sentido mais amplo da palavra, a natureza é a busca pelo equilíbrio entre diversas formas vivas e não vivas a partir de combinações fantásticas de elementos químicos e energia. E o equilíbrio é sempre dinâmico, igual andar de bicicleta. Natureza é constante movimento. Organizar, desorganizar. Tentar, errar, acertar. Competir, cooperar. Nascer, morrer. Então quando a gente olha ao nosso redor podemos perceber muitas formas diferentes de expressão da vida que estão sempre mudando, se adaptando. Me instiga muito estudar o comportamento das aves, as cores das plantas, os sons dos insetos durante a noite. O meu trabalho é no meio disso tudo. Tenho o privilégio de dedicar a minha vida a entender detalhes dessa complexa dança nesse pequeno recorte do tempo em que minha consciência está materializada nesse planeta. Além disso observar a natureza faz um bem danado para a nossa saúde mental.


Hoje sou um ser humano. Um amontoado (organizado) de poeira cósmica que graças à dança da vida, no ritmo da natureza, por bilhões de anos, desenvolveu a capacidade de escrever, manusear uma câmera fotográfica e refletir sobre poeira cósmica.


A espécie humana, dentro da sua natureza, criou cenários artificiais, distante dos outros seres vivos do planeta. Eu acredito que muitos dos nossos problemas atuais sejam decorrentes dessa desconexão. Mas a cidade, apesar de aparentemente isolada, impacta todo o planeta. Meus registros fotográficos ajudam um pouco a popularizar o conhecimento sobre nosso mundo natural, sobre os impactos que causamos e tentar despertar o interesse de mais gente sobre o assunto. Afinal só se preserva aquilo que se ama. E só se ama o que se conhece.


EN: Sua arte pode ser chamada de “educativa”? De que forma?


RD: A fotografia da natureza por si só já é educativa, pois mostra um mundo real e muitas vezes desconhecido. Eu produzo pequenos textos que auxiliam na explicação da cena fotografada. Às vezes também compartilho devaneios pessoais junto com os registros, pois acredito que ao compartilhar minhas anotações de campo junto com reflexões pode-se provocar algum tipo de emoção em quem vê minhas fotos e vídeos, tornando o conhecimento mais significativo, trazendo reflexões para a vida real de quem vê as fotos. Além disso são registros divulgados em plataformas colaborativas de ciência cidadã, fornecendo dados para pesquisas.


EN: Conte mais sobre seu processo nessa jornada artística, suas produções (portfólio) e objetivos.


RD: Comecei a fotografar apenas para registrar o que eu via. A fotografia possibilita que a gente veja detalhes, cores e texturas que geralmente passam desapercebidos nos encontros na natureza. Raramente tornava meus registros púbicos. Esse ano percebi que tinha bastante material e que seria legal deixar que outras pessoas também pudessem ver o que eu andava vendo por aí. Tenho tido respostas muito positivas! Pessoas que não são da área da biologia se interessam pelas fotos, fazem perguntas sobre comportamento, reprodução, alimentação, ecologia! Isso já é um baita resultado alcançado.


Não sou fotógrafo. Sou um biólogo que faz algumas fotos. Atualmente as publicações me incentivam a estudar o audiovisual e trabalhar mais ainda, então tem sido positivo tanto para o público quanto para mim.


Existe um projeto bastante inicial e ainda pouco estruturado que surgiu de uma outra paixão minha que é a música. Nas minhas pesquisas musicais percebo que muito da nossa cultura musical descreve a nossa fauna e flora. Hoje apenas posto fotos com trechos de músicas que falam sobre determinado bicho, talvez futuramente isso se torne algo maior!


O audiovisual é um universo de infinitas possibilidades, assim como a própria vida. E eu gosto disso!


 

¹ verso da canção Tendo a Lua, da banda brasileira Os Paralamas do Sucesso

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