A temperatura média do planeta vem aumentando rapidamente desde o início do século XX, o que caracteriza um cenário de aquecimento global. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) destaca o papel das emissões antrópicas de gases do efeito estufa nesse processo, com um aumento de cerca de 130 ppm na concentração de CO2 atmosférico de 1750 aos dias atuais e com um pico de emissões de CO2 nos últimos anos, entre 2000 e 2010 (IPCC, 2014). Adicionalmente, o IPCC prevê que a temperatura continuará a aumentar até o fim do século, variando, em média, 1 grau em um cenário de emissão mais otimista, e 3,7 graus em um cenário mais pessimista.

Imagem: In a village, some kids were shifting plants to their garden in their school. Imagem por Kasturi Laxmi Mohit, disponível aqui.
As mudanças climáticas globais constituem a principal problemática socioambiental da atualidade. Seus impactos já vem sendo sentidos em algumas regiões do mundo e serão intensificados ao longo dos anos. Eventos climáticos extremos, aumento do nível do mar, extinções de espécies, perda de safras agrícolas, refugiados climáticos e aumento da ocorrência de doenças entram nessa conta que tem um saldo negativo irrefutável para a humanidade.
No entanto, mudanças climáticas não são novidade na história da Terra. De acordo com o relatório do IPCC de 2007, períodos glaciais e interglaciais têm ocorrido de forma cíclica no planeta nos últimos 3 milhões de anos (Jansen et al., 2007). Esse argumento é utilizado por alguns negacionistas, com o intuito de tentar atribuir as mudanças climáticas atuais a causas naturais. De fato, mudanças naturais no clima ocorrem, mas isso não quer dizer que não podemos modifica-lo.
Há 3 formas pelas quais o balanço energético (ou balanço radiativo) da Terra pode mudar, causando mudanças climáticas: mudando a radiação solar incidente (por meio de mudanças na órbita da Terra ou no Sol); mudando a fração de radiação solar que é refletida (nuvens e calotas de gelo, por exemplo, refletem mais a radiação do Sol); e mudando a energia de onda longa irradiada de volta para o espaço (por meio de mudanças nas concentrações dos gases de efeito estufa na atmosfera - e é aqui que atividades humanas podem impactar). Acrescenta-se, ainda, que o clima local depende de como o calor é distribuído por ventos e correntes oceânicas (Jansen et al., 2007).
Para entender um pouco mais a influência desses fatores nas mudanças climáticas, vamos analisar, como exemplo, o período relativo à última deglaciação.
A última deglaciação
O último período glacial começou há cerca de 115 mil anos, com o resfriamento da temperatura do planeta ocorrendo durante milhares de anos até atingir, entre 21 e 19 mil anos atrás, o máximo glacial (daqui para frente referido como o Último Máximo Glacial). A partir de então, de 19 mil anos a 6 mil anos atrás ocorreu a deglaciação, chamada de última deglaciação. Atualmente, portanto, estamos vivendo um período interglacial.
Mas o que desencadeou a última deglaciação? Como a temperatura da Terra aumentou? Uma série de fatores foi responsável por isso e vamos descrevê-los em ordem cronológica a seguir, partindo de dois artigos científicos, referenciados no final desse texto. Mas vamos agora para os eventos:
1. Aquecimento pontual do hemisfério norte - 19 mil anos atrás (Shakun et al, 2012)
Considerando separadamente diferentes intervalos de latitude, identifica-se um aumento pontual na temperatura entre as latitudes 60 e 90 N, há cerca de 19 mil anos. Os autores atribuem o aquecimento pontual do hemisfério norte a um aumento na insolação de verão no local (forçante orbital), levando ao aumento da temperatura. Como foi destacado, esse aquecimento foi pontual, com a temperatura voltando a baixar em seguida. No entanto, ele foi suficiente para desencadear uma série de eventos que levaram ao aumento da temperatura do planeta.
2. Mudanças na circulação do oceano – 19 mil anos atrás (Shakun et al, 2012)
Com o aumento da temperatura no hemisfério norte, houve o derretimento de calotas de gelo no local. Esse derretimento fez com que a água doce, antes estocada na forma de gelo, se misturasse ao oceano. Com essa adição de água doce, houve uma mudança na circulação oceânica, enfraquecendo a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (Atlantic Meridional Overturning Circulation, AMOC, em inglês). A AMOC é responsável por distribuir o calor entre os hemisférios norte e sul, levando ao norte as águas mais quentes do sul e, ao sul, as águas mais frias do norte.
3. Aquecimento da Antártica – entre 19 e 18 mil anos atrás (Shakun et al, 2012)
Sem trocar calor com o hemisfério norte, devido ao enfraquecimento da AMOC, ocorreu um aumento da temperatura no hemisfério Sul. Com isso, houve o derretimento de grande parte do gelo da superfície oceânica da região da Antártica.
Até aqui, passamos por um momento de aquecimento do hemisfério norte, seguido por - mas não concomitante a - outro de aquecimento do hemisfério Sul, tudo isso resultado de mudanças na forçante orbital (aumento da insolação no norte). Se parássemos de contar a história por aqui, poderíamos dizer que gases do efeito estufa, como o gás carbônico, não tem nada a ver com o aumento da temperatura do planeta, pois no passado as mudanças climáticas não foram causadas por eles. Mas não falamos, ainda, de aquecimento global, e sim de dois momentos separados de aquecimento do norte e do sul. Veremos, a seguir, que é apenas quando o gás carbônico entra na história que a temperatura do planeta, como um todo, aumenta.
4. Mudanças na circulação do oceano no hemisfério Sul (Skinner et al., 2010)
O derretimento do gelo oceânico na Antártica acarreta uma mudança na circulação oceânica no Atlântico Sul. Durante a glaciação, especialmente durante o Último Máximo Glacial, as águas mais profundas da região estavam praticamente “inertes”. A cobertura do gelo no oceano impedia que os ventos atuassem, agitando e “misturando” as águas superficiais com as profundas. Com a retração do gelo oceânico da região, os ventos passaram a exercer maior influência na superfície oceânica, fazendo com que as águas profundas emergissem. Uma vez na superfície, essas águas realizam trocas gasosas com a atmosfera.
5. Aumento da concentração de gás carbônico atmosférico – cerca de 17 mil anos atrás a cerca de 10 mil anos atrás (Skinner et al., 2010)
Aquelas águas profundas, que ficaram durante milhares de anos sem contato com a superfície, estavam ricas em gás carbônico. Quando entram em contato com a atmosfera, liberam para ela grande parte desse gás, aumentando, assim, a quantidade de gás carbônico na atmosférica. A concentração, que estava em cerca de 180 ppm durante o Último Máximo Glacial, foi para cerca de 280 ppm no final da deglaciação, constituindo, assim, um aumento de 100 ppm.
6. Aumento da temperatura global – cerca de 17 mil anos atrás a cerca de 10 mil anos atrás (Shakun et al., 2012)
Com o aumento de gás carbônico na atmosfera, a temperatura média do planeta como um todo começa a aumentar. Assim, o que eram aquecimentos locais (primeiro no norte, depois no sul), torna-se um aquecimento global pela ação do gás do efeito estufa.
Da mesma forma que o aquecimento da Terra durante a última deglaciação deveu-se principalmente ao aumento da concentração de CO2 atmosférico, as mudanças climáticas atuais estão diretamente relacionadas ao aumento da concentração de gases de efeito estufa. A concentração de CO2, por exemplo, aumentou de 280 ppm, em 1750, para cerca de 410 ppm em 2020. Na última deglaciação, no entanto, a elevação da concentração de CO2 na atmosfera deveu-se a uma série de eventos climáticos desencadeados a partir do aquecimento pontual do hemisfério norte, devido ao aumento na insolação de verão. Atualmente, o aumento da concentração de CO2 deve-se às emissões antrópicas, ligadas a atividades econômicas, em expansão desde a revolução industrial. A escala temporal em que esse aumento se dá também difere expressivamente entre os períodos comparados. Enquanto na última deglaciação o aumento na ordem de 100 ppm deu-se ao longo de cerca de 10 mil anos, o aumento de 130 ppm de CO2 na atualidade ocorreu em um intervalo de cerca de 170 anos.
Para concluir, deixamos um trecho traduzido de Jansen et al. (2007), no relatório das ciências físicas do IPCC de 2007:
O fato de fatores naturais terem causado mudanças climáticas no passado não quer dizer que a mudança climática atual é natural. Por analogia, o fato de incêndios florestais serem causados há tempos por quedas de raios não quer dizer que incêndios não possam ser causados por um campista descuidado (Jansen et al, 2007, FAQ 1, tradução livre).
Referências:
IPCC, 2014: Climate Change 2014: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, R.K. Pachauri and L.A. Meyer (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, 151 pp.
Jansen, E., J. Overpeck, K.R. Briffa, J.-C. Duplessy, F. Joos, V. Masson-Delmotte, D. Olago, B. Otto-Bliesner, W.R. Peltier, S. Rahmstorf, R. Ramesh, D. Raynaud, D. Rind, O. Solomina, R. Villalba and D. Zhang, 2007: Palaeoclimate. In: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M. Tignor and H.L. Miller (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA.
Shakun, J. D. et al, 2012. Global warming preceded by increasing carbono dioxide concentrations during the last deglaciation. Nature, v. 484, pp. 49-55.
Skinner, L. C. et al, 2010. Ventilation of the Deep Southern Ocean and Deglacial CO2 Rise. Science, v. 328, pp. 1147-1151.