Durante o mês de novembro, até o dia das eleições municipais, o Extensão Natural vai lançar uma análise das propostas ambientais dos 5 principais candidatos à prefeitura de São Paulo, de acordo com as pesquisas eleitorais. São eles: Bruno Covas (PSDB), Celso Russomano (Republicanos), Guilherme Boulos (PSOL), Márcio França (PSB) e Arthur do Val - Mamãe Falei (Patriota).
Nossa análise dos planos de governo visa a sustentabilidade ambiental no município e utilizou como referência o Guia para Cidades Sustentáveis: eleições 2020, elaborado pelo grupo USP - Cidades Globais, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA - USP). A partir de um levantamento das diretrizes propostas no Guia, adotamos 5 dimensões prioritárias para avaliação: (a) segurança hídrica, (b) resíduos sólidos, (c) áreas verdes/naturais, (d) licenciamento e compensação e (e) transição energética. Além disso, estabelecemos dois eixos de análise transversais, que atravessam e são incorporados às dimensões avaliadas: privatização e adaptação às mudanças climáticas.
Nesse texto, apresentaremos os critérios de avaliação dos planos de governo, com definição de conceitos chave, explicitação das diretrizes do Guia adotadas para cada dimensão e exemplos de propostas que se adequariam à construção de uma cidade mais sustentável.
1. Segurança Hídrica:
O conceito de segurança hídrica proposto pela ONU e adotado no Plano Nacional de Segurança Hídrica, de 2019, pressupõe a disponibilidade de água, tanto em quantidade, quanto em qualidade suficiente para: (i) atender às necessidades humanas; (ii) garantir o suprimento de atividades econômicas; (iii) preservar ecossistemas e a água, em benefício da natureza e das pessoas; e (iv) garantir a resiliência a eventos extremos, como secas e inundações.
Visando assegurar a segurança hídrica na cidade de São Paulo, duas recomendações do Guia são destacadas e comentadas a seguir:
“88) Garantir a implementação efetiva da Lei de Segurança Hídrica no Município de São Paulo” (p. 15)
“164) Incluir a temática das mudanças climáticas e medidas de resiliência climática nos planos de segurança hídrica” (p. 22)
A lei referida na recomendação 88 é a Lei nº 17.104, de 30 de maio de 2019, que institui a Política Municipal de Segurança Hídrica e Gestão das Águas. Ela adota uma perspectiva integrativa com outras políticas, programas e ações governamentais em curso, prevendo a garantia da segurança hídrica por meio da articulação entre políticas e programas de saneamento, saúde, proteção ambiental, uso de água da chuva, adaptação às mudanças climáticas e gestão de resíduos sólidos. Além disso, conforme a recomendação 164, o eixo transversal de mudanças climáticas adotado pela equipe do EN deve aparecer na dimensão de segurança hídrica.
Uma vez que um dos principais impactos das mudanças climáticas previsto para a cidade de São Paulo é uma maior frequência e intensidade de chuvas, e tendo em vista a perspectiva integrada prevista pela Política Municipal, propostas que incluam maior permeabilização do solo, implementação de jardins de chuva, promoção de sistemas domésticos de captação de água da chuva e revitalização e proteção de margens de rios e cursos d’água seriam estratégias adequadas a serem propostas em planos de governo.
2. Resíduos Sólidos
Resíduos sólidos são todo o material, substância, objeto ou bem descartado, resultante de atividades humanas em sociedade, no estado sólido ou semissólido, que não podem ser lançados na rede pública de esgoto. Dessa forma, exigem outra forma de tratamento e destino final.
As recomendações do Guia para Cidades Sustentáveis nessa dimensão são:
“141) Criar, incentivar programas de coleta seletiva, reciclagem, compostagem de resíduos sólidos” (p. 20);
“142) Definir contrapartidas/incentivos para grandes geradores que adotem tecnologias para autogestão de resíduos sólidos” (p. 20);
“151) Apoiar as mulheres catadoras de resíduos como agentes importantes na gestão de resíduos sólidos da cidade” (p. 21);
“166) Capacitar gestores e servidores municipais na questão ambiental, com destaque para resíduos sólidos e gestão de recursos hídricos” (p. 23).
A partir dessas recomendações, devem ser propostas ações focadas em compostagem de resíduos orgânicos e reciclagem de resíduos recicláveis, paralelamente à capacitação de pessoal para propor e executar soluções na gestão de resíduos.
A reciclagem pode ser fomentada pelo fortalecimento de cooperativas de catadores, com foco em inclusão social e de gênero, e do Plano Municipal de Resíduos Sólidos. Já para a compostagem, recomendamos iniciativas de distribuição de kits para compostagem doméstica e comunitária, assim como a elaboração de materiais e cursos sobre o tema para cidadãos interessados. Ainda, o Guia propõe que seja estimulada a autogestão de resíduos sólidos de grandes geradores, como indústrias, por meio de incentivos, de forma a não sobrecarregar os serviços públicos. Para além disso, recomendamos que se invista em pesquisas científicas para o desenvolvimento de tecnologias inteligentes de gestão de resíduos a serem aplicadas nos âmbitos municipal, empresarial e doméstico.
Considerando o eixo transversal de mudanças climáticas, e tendo em vista que um de seus principais impactos na cidade de São Paulo seria o aumento da frequência e intensidade de chuvas, recomendamos a integração de programas de segurança hídrica e de gestão de resíduos sólidos, com foco, por exemplo, na revitalização de rios e suas margens e na prevenção do despejo de resíduos sólidos nas ruas e em cursos d’água, de forma a permitir um maior escoamento de água pluvial na ocorrência de eventos extremos.
3. Áreas naturais/áreas verdes:
Para a dimensão de áreas naturais ou áreas verdes, o Guia apresenta as seguintes diretrizes:
“125) Elaborar programas de áreas verdes com soluções na arquitetura verde, na adoção de medidas que priorizem a captação, retenção e drenagem das águas” (p. 19);
“140) Promover políticas para redução das emissões atmosféricas e amplificação de áreas verdes na cidade fomentando práticas de esportes / lazer” (p. 20);
“154) Investir na criação de áreas verdes e corredores biológicos e garantir a manutenção das áreas verdes já existentes” (p. 21);
“174) Investir na criação e conectividade de áreas verdes, estabelecendo corredores ecológicos” (p. 24);
“175) Estimular parcerias com o setor privado para ações de turismo ecológico e conectividade de áreas verdes” (p. 24);
Três frentes são identificadas a partir dessas recomendações: (i) amplificação, criação e manutenção de áreas verdes; (ii) conectividade das áreas verdes; e (iii) uso e ocupação do solo das áreas verdes.
Com relação à amplificação, criação e manutenção de áreas verdes, exemplos de propostas adequadas seriam fomentar a fiscalização de áreas naturais protegidas, com atenção ao desmatamento e ocorrência de incêndios; criação de mecanismos de pagamento por serviços ambientais para comunidades que habitam áreas naturais e áreas de amortecimento por atividades de preservação desses espaços; criação de zonas de habitação social, no Plano Diretor, para famílias de baixa renda, de forma a evitar a ocupação de áreas naturais e áreas de risco; e fomento à participação da sociedade civil nos órgãos gestores e consultivos das Unidades de Conservação, incorporando os cidadãos no processo de conservação ambiental.
Já na frente de uso das áreas verdes, pode-se recomendar a priorização do uso público de áreas naturais na construção do Plano Diretor e seus zoneamentos, dando atenção e prioridade aos usos sustentáveis; o fortalecimento de programas de uso público de áreas naturais, incluindo Parques Municipais, Áreas de Proteção Ambiental e outras áreas protegidas no território; maior disponibilização de recursos para o desenvolvimento de projetos em associação com outras instituições do poder público (Universidades, UBSs, escolas) e da sociedade civil (ONGs, OSCIPs).
Finalmente, visando a conectividade de áreas verdes, recomenda-se fortalecer, implementar e efetivar corredores ecológicos entre áreas naturais, protegidas ou não.
Considerando o eixo transversal de mudanças climáticas, é importante o estabelecimento de áreas verdes com projeto de arborização, especialmente de espécies nativas, inclusive frutíferas, de forma a possibilitar o sequestro de carbono e o tamponamento do clima local, reduzindo o efeito de ilhas de calor que se somaria ao aumento da temperatura média global. Além disso, reforça-se a necessidade de implantar jardins de chuva e proteger margens de cursos d’água com o objetivo de mitigar os efeitos de eventos extremos.
4. Licenciamento e compensação
De acordo com Sánchez, no livro Avaliação de Impacto Ambiental: conceitos e métodos, licença ambiental é uma “autorização governamental para realizar atividades que utilizem recursos ambientais ou tenham o potencial de causar degradação ambiental” (p. 88). Nessa dimensão, o Guia para cidades sustentáveis traz a seguinte recomendação:
“35) Vincular os planos de compensação e mitigação dos licenciamentos municipais ao desenvolvimento de espaços de lazer em comunidades” (p. 11)
A ampliação ou estabelecimento de novas áreas verdes urbanas pode ser viabilizada por meio de plantios compensatórios ou pagamento de taxas direcionadas para a manutenção de Unidades de Conservação (Princípio do Poluidor-Pagador). Nessa dimensão, seriam adequadas propostas que visem fortalecer o plantio compensatório, por meio de fiscalização e monitoramento, por exemplo. Além da fiscalização por órgãos do governo, pode-se propor o monitoramento por meio da participação cidadã, por exemplo, com plataformas digitais ou aplicativos que permitam que as pessoas compartilhem dados sobre o estado do plantio compensatório. Associar áreas de plantio de compensação a áreas de lazer pode aumentar a participação cidadã na geração desses dados e no próprio cuidado com o processo de arborização. Chamamos atenção, ainda, para a criação de corredores ecológicos por meio de plantios compensatórios, que podem ser vinculados a atividades de lazer, de forma a estabelecer a conectividade entre áreas verdes.
Já no âmbito da compensação ambiental por meio de pagamento de taxas, e considerando a diretriz de associar a compensação ao desenvolvimento de espaços de lazer, pode ser priorizar o repasse para Unidades de Conservação de uso público, de forma a investir em infraestrutura, contratação de pessoal e elaboração de planos de manejo adequados que visem atrair o público com atividades de educação e lazer.
Considerando o eixo transversal de Mudanças Climáticas, recomendamos que planos de compensação e mitigação de licenciamentos foquem no plantio e manutenção de espécies arbóreas, com maior potencial de sequestro de carbono, de forma a atuarem também na mitigação da emissão de gases do efeito estufa.
5. Transição energética
A transição energética visa a substituição de fontes de energia altamente poluentes e amplamente utilizadas (como petróleo, carvão e gás natural) por fontes de energia renováveis e mais limpas. Com relação a esse conceito, as recomendações do Guia são:
“95) Promover ações que potencializem uso de energias alternativas em áreas de ocupação ainda não regularizada (aglomerados subnormais)” (p. 16);
“96) Investir em inovação e subsidiar acesso para geração de energias renováveis” (p. 16);
“97) Estabelecer metas para substituição de energia convencional por energias renováveis” (p. 16);
“98) Facilitar o acesso aos projetos de eficiência energética com subsídios e estimular a redução de uso de combustíveis fósseis” (p. 16);
“99) Instituir programa de eficiência energética em prédios da administração pública” (p. 16);
“101) Investir em sistemas de energia urbanos para substituir energia proveniente de combustíveis fósseis por redes de energia solar nos telhados” (p. 16);
“102) Criar programas de microgeração de energia sustentável” (p. 16);
“143) Acelerar a transição do uso de combustíveis fósseis para matrizes energéticas limpas e sustentáveis no transporte público urbano” (p. 20);
“150) Adotar programas de incentivo ao consumo de produtos eletro-eletrônicos com maior eficiência energética” (p. 21);
“152) Substituir a frota de veículos e caminhões do poder público municipal por veículos movidos a energia limpa” (p. 21).
Os principais eixos de recomendação associam-se ao incentivo ao desenvolvimento e uso de energias renováveis, infraestrutura urbana e transporte.
Exemplos de propostas que estaria de acordo com as diretrizes desses eixos seriam o estabelecimento de um plano municipal de transição energética, com atribuição de responsabilidades e metas a serem atingidas; investimento em pesquisa científica e tecnológica para o desenvolvimento e implementação de alternativas energéticas limpas e economicamente viáveis; incentivos a estabelecimentos e munícipes que adotarem fontes de energia renováveis; priorização, nos processos de licitação do transporte, de empresas que adotem tecnologias e fontes de energia renováveis.
Essa dimensão já está diretamente associada ao eixo transversal de Mudanças Climáticas, uma vez que visa a substituição de fontes de energia altamente emissoras de gases do efeito estufa por fontes de energia mais limpas. Alguns exemplos de diretrizes que não aparecem no Guia mas estão associadas à redução do uso de combustíveis fósseis são fomentar a utilização de transporte público ou individual alternativo, pela implementação de corredores de ônibus, ciclovias e criação de zonas de restrição de automóveis.
Tendo estabelecido as dimensões de análise e propostas que julgamos adequadas para cada uma delas, divulgaremos nos próximos dias os resultados da análise para cada candidato, até a data das eleições municipais. Continue acompanhando nosso site e redes sociais para não perder nada!